Segunda voz

Brasília, 1o de janeiro de 2019. O presidente eleito Jair Messias Bolsonaro tomou posse depois de uma disputa eleitoral tensa e acirrada. Durante sua campanha, o então candidato declarou, numa das poucas entrevistas que concedeu, que as políticas afirmativas são formas de reforçar o preconceito e “não podem continuar existindo. Tudo é ‘coitadismo’. Coitado do negro, coitada da mulher, coitado do gay, coitado do nordestino, coitado do piauiense. Vamos acabar com isso”. A série Fuga pretende propor uma reflexão sobre a importância da intensificação das chamadas políticas afirmativas no Brasil de hoje. As quatro pinturas abstratas apresentam no verso um retrato – invisível a olho nu – de uma mulher com uma criança. Cada uma delas pertence a um grupo vulnerável à violência no Brasil, seja por causa de sua raça, de seu gênero, de sua sexualidade ou de sua proveniência. O título de cada uma das pinturas – Celia, Gekidel, Karen e Yeremi – corresponde ao nome de uma mulher venezuelana que foi agredida, violentada e prostituída no Brasil ao procurar refúgio da crise política, social e econômica que assola seu país de origem. Milhares de pessoas em situação de vulnerabilidade buscam asilo no Brasil, um país cujo governo tenta acobertar o drástico aumento da incidência de assassinatos de negros, indígenas, mulheres, homossexuais e pessoas transgênero.

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Celia

Uma pesquisa realizada pela Secretaria Nacional de Políticas de Promoção da Igualdade Racial (SEPPIR) e pelo Senado Federal revela que 56% da população brasileira concorda com a afirmação de que “a morte violenta de um jovem negro choca menos a sociedade do que a morte de um jovem branco”. No Brasil, sete em cada dez pessoas assassinadas são negras. São 63 mortes por dia, totalizando 23 mil por ano. Um jovem negro é vítima de homicídio a cada 23 minutos, sendo que as chances de uma garota negra entre 15 e 19 anos ser assassinada são 2,19 vezes maiores do que as de suas amigas brancas.

Gekidel

Segundo a Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), 126 mulheres foram mortas e 67 tentativas de homicídio foram registradas no Brasil em janeiro de 2019. A CIDH enfatiza que os assassinatos de mulheres não são um problema isolado. São sintomas de um padrão de violência de gênero, resultado de valores machistas profundamente arraigados na sociedade brasileira. As mulheres no Brasil estão em situação de vulnerabilidade devido a sua origem étnico-racial, orientação sexual, situação financeira ou posição política. 

Karen

Conforme estudos realizados pela ONG Transgender Europe (TGEU), o Brasil é o país onde mais transexuais são assassinados no mundo. A TGEU deixa claro que é impossível se fazer uma estimativa real do número de homicídios de pessoas transexuais e não binárias porque geralmente esses dados não são nem mesmo especificados. No Brasil, 90% dos travestis e transexuais utilizam a prostituição como fonte de renda e única possibilidade de subsistência, já que, além de passarem pela exclusão social, familiar e escolar, ainda encontram dificuldades em conseguir espaço no mercado formal de trabalho.

Yeremi

A Organização das Nações Unidas (ONU) relata que o número de refugiados e imigrantes da Venezuela no Brasil deve dobrar em 2019. Os venezuelanos continuarão fugindo da fome, da falta de moradia e da violência que assola seu país natal. Em Roraima, estado cuja taxa de feminicídios cresceu 139% em cinco anos, as venezuelanas se prostituem para sobreviver. Brasileiros atacam e queimam os poucos pertences dos já assustados recém-chegados. O número de pessoas que deve deixar a Venezuela até o fim de 2019 pode chegar a 5,3 milhões. No grupo, pelo menos 460 mil serão crianças.